Neolítico Final no Algarve
Outras placas de xisto integravam o espólio funerário de monumentos neolíticos do Algarve, nomeadamente da região de Monchique, da Anta do Curral da Castelhana (Mestras, Martinlongo - Alcoutim) ou de Aljezur, estes últimos também em silo, “traduzindo eventuais descidas dos pastores alentejanos”, segundo as palavras usadas por Victor Gonçalves (1992, p. 76).
Não são muito frequentes as placas de xisto ardosiano desprovidas de decoração, conhecendo-se, por ora, no Algarve, apenas dois exemplares, provenientes da anta do Curral da Castelhana, um dos quais também contendo perfuração a meio de um dos topos. Acompanhavam-nas alguns recipientes de cerâmica lisos, um machado de pedra polida e longa lâmina de sílex, correspondendo a sepulcro colectivo de “pastores megalíticos, contemporâneos do Calcolítico” (Gonçalves, 1989, p. 340-342). Trata-se, pois, de monumento e de espólio classificados no Neolítico Final daquela zona serrana.
No contexto do Neolítico Final, o fragmento de placa de xisto ardosiano, com sulco periférico em ambas faces, procedente da sepultura, com câmara circular e desprovida de corredor, de Castro Marim, cujos restos do único indivíduo ali inumado foram datados através de análise pelo método do 14C. A cronologia obtida, uma vez calibrada a 2 sigma, ofereceu intervalos situados entre 3370-3030 cal BC e 2970-2930 cal BC (OX A-5441) (Gomes, Cardoso e Cunha, 1994, p. 103).
A lâmina de pedra lascada, de bordos paralelos e sem retoques, da sepultura do Cerro das Cabeças, é formalmente semelhante a outras, exumadas tanto na sepultura ortostática de Alcalar (mon.1) (Portimão), como nas tholoi da mesma necrópole, ou, ainda, no sepulcro tardo-neolítico da Pedra Escorregadia (Vila do Bispo), embora reutilizado durante o Calcolítico e para o qual possuímos cronologia absoluta. Esta foi estabelecida através de quatro datações de 14C, que, uma vez calibradas a 2 sigma, mostraram intervalos situados entre 3370 cal BC e 2460 cal BC (ICEN-844, 846, 847 e 848) (Gomes, 1994, 1997, p. 179-182).
Não muito longe do Cerro das Cabeças, no fundo do estuário do rio Arade, a gruta da Mexilhoeira da Carregação, ou de Ibne Amar (Lagoa) como também é denominada, entregou, entre numeroso espólio, disperso e em grande parte inédito, dois fragmentos de braceletes de Glycymeris (Costa, 1971, p. 603, 615, est. III, 1, 2).
Jazidas arqueológicas onde foram detectadas braceletes de Glycymeris:
1- Cerro das Cabeças (Silves);
2- Gruta de Ibne Amar (Lagoa)
Na segunda metade do século XIX, Estácio de Veiga reconheceu e escavou hipogeus ou silos funerários em Aljezur (Veiga, 1886, p. 145-204; 1891, p. 60-62), Torre dos Frades (Veiga, 1886, p. 281-285) e Arrife (Veiga, 1886, p. 285-289), no Algarve.
Naquela primeira povoação, entre a Igreja Nova e a de Nossa Senhora de Alva, identificaram-se diversas de tais estruturas subterrâneas, embora apenas uma, em forma de silo, entregasse material pré-histórico, nomeadamente calcolítico.
Também no lugar da Torre, no concelho de Portimão, foram detectadas duas grutas artificiais, uma das quais em forma de silo. O escasso espólio recuperado indica tratar-se de mais uma necrópole tardo-neolítica (Vasconcellos, 1904, p. 173-177).
Recentemente foram escavados no Monte Canelas, cerca de 1 km a norte do povoado calcolítico de Alcalar, restos de duas criptas onde se inumaram, em decubitus lateral e na posição fetal, cerca de uma centena de indivíduos, acompanhados por diverso espólio. Além do paralelo relativo à forma de deposição dos cadáveres, importa referir que, também, algumas lâminas de sílex se encontravam junto dos crânios, assim como é, igualmente, notória a escassez de cerâmica. Amostra de madeira carbonizada, procedente do nível superior do depósito funerário, analisada pelo método do 14C (ICEN-1149), ofereceu datação de 3499-3454 cal BC e 3379-2881 cal BC, quando calibrada a 2 sigma, ou seja correspondendo ao Neolítico Final (Parreira e Serpa, 1995, p. 237, 238).
A extrema raridade de sepulcros megalíticos no Algarve, tão comuns a norte da Serra Algarvia, atingindo reconhecida monumentalidade durante o Neolítico Final, parece poder explicar-se através da presença dos sepulcros em silo ou dos hipogeus, de maiores dimensões, que os substituiriam.
Um fragmento de costela, mostrando seccionamento rectilíneo, oblíquo ao seu eixo maior, e porções de diáfises de ossos longos, contendo finos cortes paralelos, executados post-mortem, denunciam comportamentos, de carácter ritual, que encontram paralelo em ossos humanos exumados na gruta da Quinta do Ribeiro (Goncinha), nas imediações de Loulé (Gomes e Paulo, 1999--2000, p. 16, fig. 4). Trata-se de escassos restos de criança, de sexo e idade indeterminados, possivelmente inumada em nicho, incluindo pequeno fragmento de diáfise, de osso longo, contendo vestígios de seccionamento, transversal e oblíquo ao seu eixo maior, provocado por artefacto laminar.
A inexistência, pelo menos aparente, de vestígios de habitat tardo-neolítico no Cerro das Cabeças, correspondendo à comunidade que inumou os seus mortos na sepultura em forma de silo ali identificada, permite que coloquemos a hipótese de a mesma ter habitado o cerro onde hoje se ergue a cidade de Silves.
Aquele situa-se a cerca de 1 km e ali temos identificado, nas escavações arqueológicas efectuadas na área urbana e na alcáçova, significativo núcleo de artefactos líticos pré-históricos, embora descontextualizados, tanto lascados como polidos (armaduras de flecha, machados, enxós, percutores), atribuíveis ao Neolítico Final.
Ambos relevos acima referidos localizam-se junto ao Arade, dispondo de franca intervisibilidade, tendo aquele rio constituído, durante a Pré-História como quase até aos nossos dias, a principal via de penetração no hinterland do Barlavento Algarvio e desenvolvido, na zona de Silves, vale excepcionalmente fértil, protegido a norte pelos contrafortes da Serra de Monchique. A sul, encontra-se planalto com aptidões cerealíferas e, a menos de uma dezena de quilómetros, situa-se a interface costeira, rica em peixe, mariscos e sal.
A comunidade cujos mortos foram sepultados no Cerro das Cabeças beneficiou de ambiente natural, contendo recursos abundantes e diversificados, permitindo o seu bem-estar e o desenvolvimento económico e social.
Baseado no ESTUDO de Mário Varela Gomes e Luís Campos Paulo