Século XV
Região periférica em relação ao triângulo do poder régio balizado por Lisboa, Santarém e Évora, foi a mesma palco de incidentes e sobressaltos que afetaram o seu equilíbrio e originaram situações de intranquilidade e mal estar. Uma das localidades de grande conflitualidade foi Loulé. Aqui, Gonçalo Nunes Barreto, poderoso fidalgo, exercia o peso da sua opressão. Sensibilizado, o monarca dirige-lhe uma carta que o aconselhava a atuar com cautela de modo a que o povo não tivesse razões para se agravar.
João Pires, criado de Gonçalo Nunes Barreto, deu a conhecer a D. Afonso V que na vila de Loulé, nos anos de 1456-1459, se tinham levantado “arroydos” entre o mencionado fidalgo, acompanhado dos filhos Rui Lourenço e Fernão da Banha, igualmente acompanhados por seus filhos e os apoiantes dos grupos rivais. A refrega entre bandos causou assinalável número de mortos e feridos. Terminada a contenda, D. Afonso V chamou-os à corte para justificarem a sua conduta terrorista. Foram condenados a dois anos na praça de Alcácer-Seguer, o que alguns não viriam a cumprir, como era habitual numa sociedade violenta e permissiva.
Quanto a bandos, tão frequentes no Portugal medievo, os de Loulé representaram um espetro de desordens e de profunda ansiedade das pessoas ordeiras desta localidade. Aspetos negativos que foram a marca de portugueses intranquilos e refratários ao cumprimento das Ordenações do reino.
Por outro lado, é neste século que o Algarve assume o protagonismo do nosso comércio externo e, mais concretamente, no início do processo dos descobrimentos. No conjunto da atividade marítima e comercial do Algarve no final da Idade Média, destaca-se a importância das trocas comerciais com a vizinha Andaluzia, anteriores à ocupação cristã. Mas também a tradição enraizada da ligação ao mar, concretamente com a atividade pesqueira que, no século XV, se amplia até aos bancos pesqueiros da costa marroquina e da Guiné. As pescas também eram pontos de partida para protestos, conflitos e represálias devido à presença de pescadores andaluzes no Algarve, onde por vezes exerciam a sua atividade.
A faceta mais relevante da vida económica do Algarve no século XV era a importante atividade comercial, tanto importadora (sobretudo cereais da Andaluzia e Marrocos, anterior à ocupação cristã, mas agora também de Inglaterra, França e Flandres) como exportadora (sobretudo peixe, fruta e vinho mas também sal e azeite para a Andaluzia e para os países do Norte). Para dar um exemplo, a fruta louletana era frequentemente exportada para a Flandres e Hansa.
Nesta época, a capacidade exportadora do Algarve é muito superior à realidade das suas importações.
Em suma, a partir de meados do século XIV, o comércio externo algarvio inseriu-se nas principais linhas de tráfego internacional, do Mediterrâneo ao Mar do Norte e ao Canal da Mancha, inserindo-se assim na carreira do Atlântico, promovida pela estratégia mercantil italiana, sobretudo genovesa e veneziana. Estamos a falar do primeiro Atlântico alargado.
Vislumbra-se aqui a abertura algarvia a um outro espaço atlântico, definido por latitudes e por produtos que circulam no seio do Mediterrâneo: açúcar, ouro e escravos. É o segundo Atlântico horizontal. Nascendo paulatinamente a partir do início do século XV, acabará por se impor a partir de meados de quatrocentos. Está diretamente ligado a todo o processo que, na sequência da conquista de Ceuta (1415) e das primeiras navegações henriquinas, vai dar origem aos chamados descobrimentos atlânticos. Todo o Algarve os protagoniza, e com nomes reconhecidos.
À medida que decorre o século XV, o Algarve vê reafirmar-se a sua secular ligação à Andaluzia e ao mundo que, de Gibraltar, aponta para o Mediterrâneo e para o norte de África. Com as campanhas marroquinas, intensifica-se a ligação ao Magreb, de onde vinha o ouro. Com as expedições à costa ocidental africana, chegam os escravos negros. A esta multiplicação das expedições não será alheia ao do desenvolvimento dos fornos de biscoito em Tavira. Com a colonização das ilhas do Atlântico, é o açúcar, cuja primeira plantação no reino tivera lugar precisamente no Algarve, mais concretamente no Morgado de Quarteira, no princípio do século. O Algarve vai ficar muito diretamente ligado a estas ilhas.
Nos tempos finais da Idade Média, mercê de todas estas transformações, o Algarve manifesta uma consciência muito clara dos seus interesses e da sua posição no conjunto do reino.